(Continuo as reflexões do artigo anterior – terceira parte – da série sobre o Ser humano)
A segunda característica da “presença ontológica” (em linguagem filosófica) ou “presença criadora” (em linguagem teológica) de Deus é: no real, ou seja, em tudo o que existe, ela implica simultaneamente “dependência” e “independência” totais.
“Dependência total”: porque, de certo modo, o real é recebido a cada instante de Deus; é “re-posto” e “re-afirmado” sem cessar por Deus, Fonte do Ser nos seres.
“Independência total”: “devemos novamente sair dos esquemas habituais da ação. Quando um ser age sobre outro, ele o modifica, o de-‘forma’: a ação supõe sempre um paciente ao qual ela se aplica. Se, segundo este esquema, Deus é considerado como uma força, infinita e soberana, a autonomia e a consistência do real ficam por isso mesmo extenuadas. Considera-se, de fato, que Deus e o mundo estão no mesmo nível e, neste caso, o agir de Deus só poderia significar o esmagamento do mundo, ao passo que, inversamente, qualquer indício concreto em favor da consistência das realidades físicas pareceria retirar alguma coisa de Deus” (Podeur, L. Imagem moderna do mundo e Fé cristã. Paulinas, São Paulo, 1977, p. 128-129).
A “presença ontológica” ou “presença criadora” de Deus não modifica nem transforma o mundo, mas o “põe” (o instaura) em sua consistência e autonomia.
Deus pode, sem dúvida, agir sobre o mundo, mas com isso não nos encontramos mais no nível de sua “presença ontológica” ou “presença criadora”. Logicamente, esta ação de Deus sobre o mundo só pode se realizar num segundo momento (não necessariamente cronológico, mas lógico).
A “presença ontológica” ou “presença criadora” de Deus, como tal, é doação de consistência e autonomia; é condição necessária e também condição suficiente para a efetivação do real. Neste sentido, ela é pressuposta por toda atividade no mundo. Somente a massa “real” atrai, somente o fogo “real” queima, somente o átomo radioativo “real” se desintegra, etc.
“Suposta a existência do universo, não é necessário procurar fora dele a fonte do que nele se passa; ou, pelo menos, é nele que se deve procurá-la primeiro. Atingimos aqui o nível no qual funciona o pensamento científico, com o sucesso que todos sabem. Apenas, e isto é capital para o nosso problema, não temos mais que escolher entre ciência e Deus. Um e outro se articulam sem dificuldade, porque Deus encontrou o seu ‘lugar’ (modo humano de falar da ‘presença ontológica’ ou ‘presença criadora’ de Deus)” (Ib., p. 129).
Como exemplo, podemos perguntar: Foi a criação (Deus) ou a evolução que fez o Ser humano? A resposta é clara: uma e outra. O Ser humano é produto da evolução, mas, ao mesmo tempo – como todo real – é “posto” (envolvido, levado) por Deus. “Dependência total e independência total, longe de se excluírem, se implicam mutuamente” (Ib.).
Para quem sabe o que a “presença ontológica” ou “presença criadora” de Deus comporta, “tudo se torna sinal e evocação da presença divina: desde o menor sopro de vento até o firmamento fervilhante de astros. Pode-se – deve-se – então lê-la em qualquer fenômeno e em qualquer circunstância, uma vez que a integralidade do real, no seu conjunto como nos seus detalhes, nas suas características como nas suas particularidades locais, não tem realidade senão por ela” (Ib., p. 130). Por isso, tudo o que existe – do ponto de vista ontológico ou criador – é “bom”.
Por fim, a “presença ontológica” ou “presença criadora” de Deus não só deve ser “demonstrada” (“conhecida”, “pensada”) pelo Ser humano, mas também (como veremos) deve ser “experienciada” – “vivida”, “vivenciada” – por ele em sua Práxis. “Em Deus vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28).
(Com o próximo artigo – ainda dentro da série sobre o Ser humano – começarei a refletir sobre o Ser humano histórico)
Compartilhando:
- Para uma visão mais aprofundada do tema dos artigos que estou escrevendo sobre Ética (ou, Antropologia ética), leia o meu livro: Ética da Libertação: uma abordagem filosófico-teológica. Editora Lutas Anticapital, Marília – SP, 2023 (384 páginas).
- Se estiver, pois, interessado/a em refletir – teológica e pastoralmente – sobre a Igreja renovada e libertadora, leia o meu livro: Eclesiologia da Libertação: reflexões teológico-pastorais. Editora: a mesma, 2022 (120 páginas).